AUTOMOBILISMO – Curvas III

No dois tópicos anteriores (Curvas I e Curvas II) foram mostradas as teorias para um veículo contornar uma curva. Vamos, agora, a um exemplo prático:

O autódromo de Daytona Internation Speedway é um dos mais famosos dos Estados Unidos da América. Ele tem o formato tri-oval com 2,5 milhas de comprimento. Suas duas maiores curvas possuem o raio de 300 metros e uma inclinação de 31º em relação à horizontal.

Sabendo que o coeficiente de atrito estático dos pneus usados nos carros da Nascar é de 0,7 , calcule as velocidades máximas  de contorno da curva mostrada acima para os três casos (adote g= 9,8[m/s²]):

  1. A velocidade máxima, independente da inclinação da pista;
  2. A velocidade máxima, independente do atrito dos pneus com o asfalto;
  3. A velocidade máxima de contorno, levando em consideração a inclinação e o atrito;
Em todos os casos o veículo não pode se desgarrar do asfalto, então o coeficiente de atrito usado sempre será o estático.

Resoluções: Para todas as resoluções, podemos partir da equação geral calculada no final do tópico Curvas II:

(1)

Esta será nossa equação principal.

Vamos às contas:

Para resolvermos o primeiro exemplo, basta substituirmos o valor de θ por zero e colocar o valor de μ, que é o coeficiente de atrito, indicado no texto. Esta será a velocidade máxima que o veículo poderia ter para contornar uma curva plana e horizontal sem se desgarrar do asfalto.

Para o segundo caso podemos substituir o valor de  μ por zero e no lugar de  θ inserir o valor de 31º. desta forma, toda a aceleração centrípeta será por conta da inclinação da curva:

E para o terceiro e último caso, que é o mais completo, basta inserirmos todos os dados na expressão (1):

Abaixo segue um arquivo de Excel para calcular as velocidades máximas. Insira os dados do raio da curva, ângulo de inclinação e coeficiente de atrito entre o pneu e o asfalto para obter as velocidades para os três casos acima.

Velocidades Máximas

Sugestão: Por curiosidade compare vários ângulos de inclinação e suas velocidades máximas. Veja o que acontece quando uma curva é subelevada, ou seja, quando a parte externa da curva tem altura menor do que a parte interna (isso é o mesmo que colocar um ângulo negativo no lugar de θ ).

AUTOMOBILISMO – Curvas II

Aumentando a velocidade de contorno de uma curva

No tópico anterior, obtivemos uma expressão que nos mostra a velocidade máxima de contorno de uma curva feita por um veículo. Mas como podemos fazer um carro ir ainda mais rápido?

Lembrando:

(1)

(2)

Se isolarmos a variável v temos:

(3)

Para aumentarmos a velocidade de contorno devemos aumentar os valores dos termos do numerador de dentro da raiz, ou diminuir o valor do denominador.

  • O valor de μ corresponde ao coeficiente de atrito entre o pneu e o asfalto. Para aumentarmos devemos mudar o asfalto (colocando um mais abrasivo), ou mudando o composto dos pneus (uma borracha mais mole, por exemplo).
  • A normal N é a reação normal do piso. A normal nem sempre apresenta o valor do produto da massa pela gravidade ( m . g ). Podemos aumentá-la, sem aumentar a massa, incluindo ( ou aumentando) o “downforce”, que é a força no sentido vertical para baixo, gerada pelos apetrechos aerodinâmicos dos carros (spoilers frontais, aerofólios, fundo plano etc).
  • O raio r da curva pode ser aumentado, ou até mesmo o contorno com o raio r maior, como visto anteriormente.
  • A massa m deve ser mantida o mais baixa possível (o que, juntamente com o coeficiente de atrito entre o pneu e o asfalto, ajuda não somente em curvas, mas em acelerações e desacelerações).
(Aqui, diferente do que foi apresentado no tópico anterior, está de uma forma mais geral, incluindo a massa do veículo e a reação do piso N. Esta forma é necessária quando é utilizado elementos que aumentam a força de reação Normal – uso de aerofólios, por exemplo) 
Além dessas condições pode-se, também, sobrelevar uma curva, de tal forma que a parte externa da curva seja mais alta que a parte interna, isto faz com que o plano da curva forme um ângulo com o plano horizontal. Acompanhe:

Curva Sobrelevada

Adotaremos que o eixo Y é o eixo vertical, positivo para cima; e o eixo X é horizontal, positivo para a direita.

Agora, observe o desenho esquemático abaixo:

 
Neste caso, temos um perfil de uma curva inclinada para a direita, com a parte externa da curva elevada em relação à parte interna.
Desenhando o diagrama de forças que atuam neste caso, temos:
  • Caso 1 – Sem atrito:

Supondo que o carro esteja contornando a curva sem se desgarrar do solo, ou seja, sem “subir” ou “descer” a curva, temos que a soma das forças no eixo Y é nula. Então, a componente Ny é sempre igual, em valor, ao peso P. E, no eixo X, o que causa a mudança no sentido do movimento é a componente Nx :
(4)
(5)
Observamos na imagem acima que a força que faz com que o carro efetue a curva de raio R é a componente Nx. Sendo assim, temos:
(6)
Da expressão (12) podemos ter a velocidade máxima devido apenas à inclinação da pista, desconsiderando o atrito e levando em consideração apenas a inclinação da curva:
(7)
  •  Caso 2 – Com atrito:

(Note que a força de atrito resultante e suas componentes estão representadas em um pneu, porém é apenas para melhorar a visualização. A força de atrito resultante poderia estar representada, apenas, no centro de massa do carro)
Para começarmos este caso, explicitamos o sistema de forças resultantes:
(8)
(9)
Agora, em seguida, os sistemas das forças das componentes das forças normal e força de atrito:
(10)
(11)
(12)
(13)
Do sistema composto por (8)(9),sabendo das equações (10), (11), (12), (13), juntamente com o produto P = m . g, podemos, depois de um pequeno malabarismo algébrico, chegar na expressão:

(14)

No próximo tópico: um exemplo prático!

AUTOMOBILISMO – Curvas I

No cotidiano e nas corridas sabemos que se tentarmos fazer uma curva rápidos demais o veículo não conseguirá contorná-la.  Por isso há a necessidade, muitas vezes, de frear antes de uma curva. Também percebemos que quanto mais fechada a curva (ou seja, menor o raio) , menor deverá ser a velocidade para conseguir contornar a curva.

Então, como saber a velocidade máxima de cada curva? Quais parâmetros que a delimitam? E como explicar tudo isso?

Primeiramente devemos entender o que é a força centrípeta.

Lembrando que Força Resultante é um conceito fundamental da física newtoniana. A força é responsável por mudar o módulo (valor), direção e/ou sentido de um movimento (1ª Lei de Newton). Uma força centrípeta é aquela que é responsável por mudar a trajetória de forma que o corpo que recebe esta força descreva uma trajetória circular.

As expressões que relacionadas a movimento circular:

  • θ é o ângulo do arco de circunferência;
  • ω é a velocidade angular;
  • γ  é a aceleração angular;
  • r é o raio da circunferência.

A expressão da Força Centrípeta é:

(1)

Onde m é a massa do corpo e acp é a aceleração centrípeta.

Substituindo as expressões encontradas na tabela acima na expressão (1), temos:

(2)

Num carro, andando em um asfalto plano e horizontal, o que gera essa força centrípeta é a força de atrito que há entre os pneus e o asfalto.

A força de atrito é dada por:

(3)

Conforme mostrado na expressão (3), o atrito é dado pelo produto do coeficiente de atrito μ (que pode ser estático ou dinâmico) pela reação da superfície, chamada de Normal (N).

No caso de um carro efetuando um movimento circular no asfalto, o esterçar das rodas fazem com que o atrito entre o pneu e o asfalto mude a trajetória do carro (resultando em uma aceleração centrípeta):

— Uma dúvida comum entre os estudantes de nível médio em relação a exercícios envolvendo força centrípeta e atrito é que eles, por muitas vezes, procuram a força que anula a  Fcp, porém essa resultante ser diferente de zero é necessária para que o corpo descreva o movimento circular.

Sabendo, então, que a força centrípeta é causada pelas forças de atrito, temos que:

(4)

Considerando r o raio da curva, e v a velocidade do veículo:

(5)

Se a curva estiver num plano horizontal, a reação N será numericamente igual ao peso ( m . g ):

(6)

Para calcularmos a velocidade máxima do veículo, deveremos considerar quando a força de atrito seja, também, máxima (isto é: quando os pneus estiverem na iminência de desgarrarem do solo, maximizando a força de atrito estático):

(7)

  • Quando não há deslizamento entre o pneu e o asfalto, usamos o  coeficiente de atrito estático μe.
  • Se o pneu estiver se desgarrando do solo o atrito é o dinâmico μd, sempre menor que o estático. 

Considerações importantes:

  • O valor do coeficiente de atrito, geralmente, é um valor menor que 1, mas não é regra! Há materiais que possuem μ > 1 e isso apenas quer dizer que a força necessária para mover este objeto em determinada superfície é maior do que a força normal.
  • O coeficiente de atrito é adimensional e, portanto, não possui unidade.
  • Em situações de pista plana e horizontal, a velocidade de contorno da curva não depende da massa do veículo.

Trajetórias:

Em corridas, pilotos procuram a melhor trajetória para efetuar a curva no menor tempo e com maior velocidade. Observe as duas trajetórias no desenho abaixo:

Podemos perceber que r< r2, desta forma o veículo poderá ir mais rápido na trajetória com maior raio. Mas, ao mesmo tempo que a velocidade pode ser maior, o trajeto também aumenta. Desta forma, o piloto deve achar um equilíbrio para tentar contornar a curva em menor tempo e sair com maior velocidade. E cada piloto se adaptará com um tipo de contorno: Alguns preferem uma entrada mais lenta e uma saída mais rápida da curva, outros preferirão uma entrada mais rápida, mas perderá um pouco de velocidade na saída da curva.

Uma possível trajetória de carro de corrida com entrada mais lenta e saída mais rápida (os ângulos estão exagerados para melhor visualização).

Exemplo prático:

Um veículo contorna uma curva circular, plana e horizontal de raio 60m. O coeficiente de atrito estatico entre os pneus e a pista é μe = 0,7 . Nestas condições, qual é a máxima velocidade que este veículo pode fazer a curva, sem derrapar? Considere, também, g = 9,8 [m/s²].

Utilizando a expressão (7) e os dados contidos no enunciado podemos calcular a velocidade máxima de contorno:

Num próximo post irei tratar das curvas inclinadas, como as encontradas em circuitos ovais da Nascar.

Discos de freio incandescentes

Quem gosta e acompanha automobilismo já deve ter percebido que os discos de freio nos carros de corrida ficam incandescentes após uma freada muito forte.

Mas o que acontece ali para este fenômeno ser observado?

Basicamente, neste tipo de evento há alguns princípios físicos acontecendo. Entre eles, os mais importantes são:

  • Radiação térmica;
  • Força de Atrito;
  • Transformação de energia;
  • Calor;

Radiação Térmica

A radiação térmica (também chamada de irradiação térmica) é uma característica comum a todos os corpos que possuem energia térmica e é devido ao corpo possuir temperatura. Ela é composta por ondas eletromagnéticas.

Todo corpo troca calor com o meio, emitindo e absorvendo energia. Quando um corpo está mais quente que o meio, ele irá irradiar mais do que absorver, até atingir o equilíbrio térmico – que acontecerá quando ambos (o corpo e o ambiente) possuírem a mesma temperatura e, consequentemente, irão trocar a mesma quantidade de radiação térmica.

Consequência dessa emissão é que a matéria em estado sólido ou líquido emite um espectro contínuo de radiação, sendo praticamente independente do material que é constituída, mas proporcional à temperatura.

A seguir temos uma imagem de um espectro de radiação eletromagnética:

 

O olho humano é capaz de perceber ondas eletromagnéticas de comprimentos de onda – λ – na faixa de, aproximadamente, 400 [nm] a 700 [nm] (nanômetros, ou  10-9m), o que corresponde às frequências entre  4,29 x 1014 [Hz] e   7,5 x 1014 [Hz].

Um corpo em temperaturas normais (ambiente) emite ondas eletromagnéticas em frequência bem abaixo do limite visível. Estas ondas ficam no infra-vermelho. Ou seja: a esta temperatura o corpo está emitindo ondas eletromagnéticas fora da faixa do visível (isto é, não está irradiando luz)

Quando há o aumento da temperatura de um corpo, ele pode começar a emitir luz (quando a emissão chega aos níveis do espectro visível ao olho humano).

Metais incandescentes emitem luz a partir de uma certa temperatura. Vemos as representações das cores e suas temperaturas na seguinte tabela:

Força de Atrito e Transformação de energia

O atrito está presente em nosso dia a dia. É ele que nos possibilita, por exemplo, segurarmos um copo.

No automobilismo ele é fundamental: Ele faz com que haja tração entre o pneu e o piso, acelerando e freando o veículo. O atrito é uma força dissipativa, ou seja, transformará energia mecânica em uma forma de energia não-mecânica.

Em nosso caso específico, vamos tratar dos freios de um carro de corrida. A frenagem irá transformar a energia cinética do veículo em energia térmica nos discos de freio.

Na hora requisitada, as pinças de freio pressionam a pastilha de freio contra o disco. O atrito gerará calor e, se houver energia suficiente, o disco irá brilhar incandescente.

Calor

Calor é energia térmica em trânsito. É a energia térmica que um corpo cede ou recebe. Essa troca de calor pode (caso haja diferença de temperatura) gerar variação da temperatura do corpo e/ou do meio.

Caso não haja mudança de fase, podemos calcular a variação de temperatura de um corpo, devido à variação de energia, sua massa e seu calor específico. Matematicamente temos que:

Onde:

  • Q é a quantidade de energia (recebida se for positiva, negativa se for cedida);
  • m é a massa do corpo que está recebendo a energia;
  • c é o calor específico e depende do material;
  • ΔT é a variação de temperatura.

Um exemplo prático de aplicação desta equação e destas teorias é o exemplo a seguir:

Um carro de corrida possui massa de 1280 [kg] e é dotado de quatro discos de freios fabricados com um composto de cerâmica e carbono (Calor específico de 480 [ J . kg -1 . °C -1 ] ) .
Ao final da reta, imediatamente antes da freada para uma curva, o veículo atinge a velocidade máxima de 288 [km/h]. Quando freado, o carro transforma toda a variação de energia cinética em energia térmica pelo atrito dos freios que, antes do início da freada, estavam pré-aquecidos a 260ºC.
Para melhorar a performance de freada, o carro possui um balanço de freio de 60-40 (60% da pressão de freio é na dianteira, 40% na traseira). As massas dos discos de freios são: 2,150 [kg] e 1,745[kg] para os discos dianteiros e traseiros, respectivamente.
Supondo que o carro esteja em trajetória retilínea na hora da freada e a velocidade de tomada da curva seja de 72 [km/h], calcule a temperatura final de cada disco de freio no momento em que o carro começa a fazer a curva  (suponha que, durante a freada, não haja tempo suficiente para que os discos de freio percam calor para o ambiente).
Qual é a cor que cada disco adquire?
 A ideia geral para este exercício é a seguinte: Toda a variação da energia cinética do veículo será transformada em energia térmica nos discos de freio, aumentando sua temperatura.
Para começar, anotamos os dados separados do texto (aproveito e coloco os dados com as unidades do SI*, quando necessário):
Mc = 1280 (massa do carro) [kg]
Vi = 288 (velocidade inicial) [km/h] = 80 [m/s]
Vf = 72 (velocidade final) [km/h] = 20 [m/s]
Ti = 260 (temperaturas iniciais) [ °C]
mdd = 2,150 (massa dos discos dianteiros) [kg]
mdt = 1,745 (massa dos discos traseiros) [kg]
c =  480 [ J . kg -1 . °C -1 ] )
Tfd = ? (temperatura final do disco dianteiro)
Tft = ?  (temperatura final do disco traseiro)

Sabendo que a variação da Energia cinética do veículo é dada pela expressão:

E, sabendo também, que toda a energia cinética irá se transformar em calor, temos que:

Um ponto fundamental aqui é que temos 4 discos, separados 2 a 2 em relação a sua massa: os dois maiores (e mais pesados) ficam na parte dianteira do veículo, os dois mais leves na traseira. Também temos uma distribuição não-uniforme nas energias distribuidas entre os dois eixos: 60% da energia irá para o eixo dianteiro. Sendo assim, cada um dos dois discos dianteiros receberá 30% da energia, e cada disco traseiro 20%.

Assim, para cada um dos discos dianteiros temos:

Substituindo os valores, isolando a variável da temperatura final, obtemos o resultado:

Logo: Tfd = 930 [°C]

Similarmente podemos obter a temperatura de cada disco traseiro:

Tft = 810 [°C]

Se observarmos a tabela de emissão acima, que relaciona uma temperatura a uma cor, podemos inferir que os freios dianteiros terão um brilho mais próximo do laranja, enquanto que os discos traseiros terão uma cor que se assemelha com “cereja claro”.

Agradecimento à colaboração dos físicos Marcos Guassi e Daniel Vieira Lopes.